O inimigo é outro

 O inimigo é outro

Crédito: Reprodução Stockvault

Falar sobre violência, nos leva a pensar sobre o que motiva um ato violento. Os fatores por trás de um comportamento violento são inúmeros e o grau de violência também. Além disso, quando falamos de um indivíduo violento, será que ele tem consciência desse ato?

Para muitas pessoas um comportamento violento é justificado e normalizado, isso se deve ao fato dele mesmo ter sido vítima constante de violência sem se dar conta disso. O que nos leva a pensar que a violência é um comportamento de repetição, que é ensinado e passado de geração em geração, caso não haja uma quebra desse tipo de comportamento ele pode vir a se tornar sistemático e recorrente. Outra coisa que precisamos pensar sobre a violência, é o que se configura violência, já que muitos entendem que um ato violento só acontece quando há algo físico e concreto, ou seja, quando eu consigo comprovar a violência por meio de provas físicas: marcas, lesões, contusões, até as vias de fato, quando a pessoa que sofreu a violência vem a óbito. Porém, na medida em que o mundo vai se sofisticando no formato de se relacionar, outras formas de violência passam a ser questionadas, como a violência verbal, moral e psicológica.

O curioso das violências sem evidências lesionadas é que elas podem se tornar catalisadoras para cometer a violência física. Ou seja, acaba por ser um ciclo. Como mencionado no texto acima, não há um único elemento que leva uma pessoa a ter um comportamento violento. Mas quero chamar a atenção para o que vem antes, pois, se é um comportamento aprendido, como não repeti-lo? Ou então como entender de onde vem a violência? E o que poderia ser entendido como tal?

Pegando como exemplo as pessoas marginalizadas, num país com extrema desigualdade social, como o Brasil, o que poderia ser entendido como violência: um garoto que sai de casa, agride uma pessoa na rua e toma para si os pertences de uma vítima, acabou de cometer um ato violento concreto. Mas o que o levou até ali?

Será que as privações que ele sofre ou sofreu durante a sua infância também não o colocaram em situação de violência? Quando o Estado deixa de cumprir o seu papel social e não abrange a todos também está criando um ato violento. O garoto não tem um inimigo direto que possa cobrar dele as injustiças que sofreu, ou até mesmo nem tem consciência que suas privações são violências, mas ele vai cobrar de alguma forma e, muitas vezes, será trazendo danos à sociedade. Numa tentativa ou espécie de reparação inconsciente.

Agora, quando a violência não se expande aos olhos da sociedade, mas está presente no núcleo familiar, mais uma vez estamos diante de um comportamento fomentado pela sociedade. Como as recorrentes violências cometidas contra as mulheres e crianças, tendo como agentes com maior recorrência, homens da própria família. É comum que um homem violento tenha sido violentado inúmeras vezes, numa fase da vida que não era possível se defender. A violência geracional acaba se tornando uma linguagem familiar, onde uma pessoa, para se valer e firmar as suas vontades, recorre a agressão para impor os seus desejos, que, muitas vezes, é sucumbido em outros espaços, como na roda de amigos, no emprego, ou na falta de reconhecimento social ou de poder aquisitivo.

Veja, nesses dois exemplos que dei o “inimigo” é outro e oculto, não há como se “vingar” das privações sofridas, não há como voltar no tempo e agredir quem o agrediu. Mas sim, reproduzir de forma inconsciente essas dores.

Com isso, não estou aqui justificando as violências, mas chamando a atenção para que pensemos sobre o assunto. Não tem como exigir gentileza ou, na melhor das hipóteses, um comportamento adequado, quando inúmeras violências são cometidas diariamente por Poderes que deveriam conter esses atos, por meio de políticas públicas e educação. Além disso, um sujeito violento só pode deixar de ser violento quando se tem consciência e toma para si a responsabilidade de tal. Para isso existe educação, só a correção punitiva, no caso em que o sujeito vai preso, não é o suficiente, principalmente quando a punição decorre de mais violência.

Sendo assim, o ato violento é sintoma não a causa.

Débora Pereira

Psicóloga, psicoterapeuta, palestrante e desde 2021 atua como analista de RH no Emprega Comunidades de Paraisópolis.

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Débora Pereira
Psicóloga | + posts

Débora Pereira é psicóloga, psicoterapeuta, palestrante desde 2021 atua como analista de RH no Emprega Comunidades de Paraisópolis.

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