Nunca sinta pena do diabo

 Nunca sinta pena do diabo

Crédito: IStock

“Nunca sinta pena do diabo.” Essa frase foi dita pela minha saudosa mãe, quando eu ainda era uma aspirante à adolescência e eu nunca mais esqueci. Primeiro porque eu queria entender o que ela quis dizer com aquilo, segundo que, quem seria maluco para ter dó de um ser tão desprezível? Deixando de lado questões religiosas do que essa figura representa, vou me apegar ao arquétipo de como ele é retratado nos livros religiosos. 

O diabo é popularmente dito como sendo um “ser das trevas”, mau, monstro, mentiroso, coisa ruim, sujo, o que impede e descumpre as vontades divinas. Características negativas e que acreditamos que a tendência é desprezá-las. Então, como seria possível sentir dó diabo se tendemos a repeli-lo? Pois bem, lembrando da origem do diabo descrita nos mitos religiosos, o diabo, na verdade, era um anjo que vivia no céu, ao lado de Deus. E qual o arquétipo do anjo, descrito nesses mesmos mitos? Um ser puro, de luz, ilibado, inocente, bom, guardião, o que cumpre e obedece às vontades divinas. 

Então, se a origem do diabo é na verdade angelical, pode ser que o diabo não seja visto como um ser das trevas. Quando a minha mãe disse essa frase, ela falava sobre alguém que estava “se fazendo de coitado”, mas que já havia feito algo ruim para outra pessoa. Eu quis saber o motivo e ela me explicou que, quando o diabo apronta e é descoberto ele volta se fazendo de arrependido e com cara de coitado, para que sintamos pena dele e assim darmos uma nova chance a ele de entrar em nossas vidas. 

Levei essa explicação para a vida, mas isso não me isentou de deixar o diabo voltar na minha vida, várias vezes. Isso porque, sem perceber, eu sentia dó do “ser das trevas”, que voltava como o ser de luz. Como não percebia isso? Como a minha mãe disse, ele voltava com cara de arrependido, de boa pessoa, com ar de esperança de que tudo seria diferente e, era assim que eu o enxergava, mas era só cara, era só ar, era só papo. 

Em qualquer tipo de relação é possível perceber o diabo se fazendo de coitado. Entre pais e filhos, irmãos, colegas de trabalho, amizades, relacionamentos afetivos e etc. Sabe aquela pessoa que faz algo para te prejudicar, mas que, quando descoberta parece que é tomada por uma fragilidade angelical e inocente, uma fala mansa e ou emocionada, com frases de arrependimento, de conforto, motivacional e de esperança, palavras vazias de que tudo será diferente daqui pra frente? Então, esse é o diabo de volta na sua vida, quando você menos esperar lá estará ele fazendo o que prometeu não fazer mais, mentindo, manipulando e chantageando emocionalmente. 

A cada descoberta ou sinal de que a “ficha está caindo”, surge o diabo chantagista emocional. O objetivo dele aqui, é conquistar a sua compaixão novamente e não reverter o mal que vem causando. É possível que, em alguns casos, exista o arrependimento real? Sim, sem dúvida, inclusive tratamento para que as vítimas e agressores aprendam a construir uma relação saudável, porém há uma mudança de postura que vem junto, e, também o ato de se responsabilizar por aquilo que fez, tomando a atitude de reparar esse erro, de forma efetiva e não apenas para reconquistar o que está prestes a perder, essa reparação não deve ter a ver com a volta da relação em si, mas sim por uma causa justa. E aí, quem ou o quê, está sendo o diabo na sua vida?

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Débora Pereira
Psicóloga | + posts

Débora Pereira é psicóloga, psicoterapeuta, palestrante desde 2021 atua como analista de RH no Emprega Comunidades de Paraisópolis.

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