Maternalidades

 Maternalidades

Foto: Carolyn Kelly/St. Louis Zoo via AP

Dia destes encontrei, no meio da livraiada, um exemplar de “Querida Mamãe”, de Bradley Travor Greive. É um livrinho de fotos de mamães-bichos com seus filhotes, acompanhadas de textos melosos. Não é o tipo de obra que eu guardaria por tantos anos – exceto pela dedicatória, pra lá de especial: “Mãe, feliz Natal! Obrigado pela vida que a gente teve e terá. Acho que Mãe define o que você é. O Matico não sabe falar ainda, mas ele vai te dizer a mesma coisa um dia. Beijos, João e Mateus”. Isso foi no Natal de 2001, quando então o João tinha 20 anos e o Mateus, seis meses. Passei fotos da capa e da dedicatória para o grupo de zap que tenho com meus filhos. E o Mateus, hoje com 22 anos, escreveu: “Agora eu já sei falar e confirmo!”

Sou uma mãe sincera: sempre disse a eles que, ao vê-los recém-nascidos, achei os dois muito feios, com traços fisionômicos meus (apesar de os pais serem diferentes, meus bebês eram bem parecidos: mesmo peso e mesma altura, bem cabeludos, como numa linha de montagem). Mas, claro, só revelei isso porque, bem pouco tempo após o nascimento, eles se tornaram garotos lindos, e hoje são adultos-gatos (sim, talvez eu seja coruja).

Também sou sincera quando digo não ter saudades de certas fases da maternidade, em especial dos dois primeiros anos, quando a insegurança (sobretudo em relação ao primeiro filho) e o cansaço físico tiram o glamour do tal de instinto maternal. A adolescência pode ser outra fase desafiadora – e para mim foi, nos dois casos.

Valeram a pena as maratonas? Muito! Parêntesis: acho bem mais saudável a liberdade desfrutada hoje pelas mulheres em relação à decisão de ter filhos ou não. Diferente da “obrigação” anterior (as que não tinham filhos eram consideradas “anormais”), agora sabemos que a maternidade não garante mais realização ou felicidade (comparando os que têm e os que não têm filhos). Fecha parêntesis. Com a experiência que tenho hoje, talvez enfrentasse os desafios de maneira mais tranquila. Mas a vida é assim: quando se tem a energia, não se tem a maturidade, e o contrário também é verdadeiro.

Agora posso desfrutar da companhia dos meus rebentos como mãe-amiga. Trocamos mensagens diariamente, papeamos ao vivo nos finais de semana e nas férias, bebericamos, cantamos, rimos bastante. Aliás, de vez em quando, em meio a uma prosa mais íntima, o mais novo me diz: “Isso é coisa que mãe e filho conversem?” Não conheço estudos sobre, mas parece-me que as relações entre pais e filhos hoje podem ser muito mais próximas do que em gerações anteriores. De fato, com meus pais nunca tratei de certos assuntos que aparecem em conversas com meus rapazes.

É maravilhoso saber que, apesar do grude e da amizade, cada um tem seu espaço, e eles vivem muito bem sem mim. Fala-se muito da tal “síndrome do ninho vazio”. Meu filho mais velho saiu de casa há muitos anos e constituiu sua própria família. O mais novo e eu permanecemos morando juntos até recentemente. Mas como ele relata, divertindo-nos: “Nas famílias normais, o filho cresce e sai de casa. Na nossa, a mãe é quem abandona o ninho”.

Verdade! Procurei meu próprio canto e ele ficou no lar original. Foi decisão conjunta, e revelou-se sábia. Afora o lado engraçado, o fato é que foi melhor para as duas partes. Eu – que gosto muito de estar só – posso organizar meus espaços e minha rotina a meu bel prazer. Ele, em fase muito mais sociável, dispõe sua bagunça como melhor lhe aprouver.  

Nada mais chato (e nocivo) para os mais jovens que o incômodo de pais emocionalmente dependentes, que vivem reclamando da ausência e do “abandono” dos filhos. Claro, há muitos casos específicos, que não podem ser avaliados em regra única, mas pensar em filhos como suporte ou “companhia” na velhice é jogar sobre eles um peso que não merecem carregar.

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É mãe, avó e executiva do Grupo Folha e do Grupo UOL.

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