Canabidiol: do Tabu à cura

Por Keli Gois 

 

A Cannabis é uma das plantas com registro de domesticação mais antigas. É utilizada há mais de 10 mil anos em culturas ancestrais de forma medicinal, terapêutica e também na produção de tecidos e cordas. Proibida no Brasil desde a década de 30, a Cannabis voltou a ser pauta em janeiro de 2015, quando o canabidiol (CBD) saiu da lista de substâncias proibidas pela Anvisa e o uso como medicamento controlado foi autorizado. Desde então, a flexibilização tem avançado e permitido opções de tratamento para diversas doenças e condições de saúde como autismo, epilepsia, ansiedade, TDAH, entre outras, mas o tema ainda é motivo de tabu.

 

Em 2016, o debate voltou a ganhar fôlego, quando a Anvisa liberou a prescrição de produtos e medicamentos que contém tetrahidrocanabinol (THC) – principal substância psicoativa encontrada nas plantas do gênero Cannabis – que passou a ser regulamentado e permitido como base do produto, liberando a importação para pessoa física (para uso próprio para o tratamento de saúde e com receita médica). Segundo dados da Anvisa, desde que a substância foi liberada, a importação desses produtos aumentou 850 em 2015 e 33.793 em 2021. Atualmente, já são 68.775 permissões para 56.085 pacientes. 

 

A liberação foi a deixa que Eliezer Riera precisava para ajudar outras pessoas e atuar como terapeuta canábico. Usuário da Cannabis há mais de 20 anos, sofreu, durante toda sua infância com crises de ansiedade, irritabilidade e TDAH. Por falta de um diagnóstico claro, tomou remédios tarja preta, até ter que suspender a ingestão de qualquer medicamento por conta de uma alergia medicamentosa. “Com 9 anos, eu tinha taxas de estresse no sangue de um adulto de 40 anos. Eu era uma criança muito nervosa, brigava muito na escola, tinha processos de auto agressividade, e as alopatias só me trouxeram muitos malefícios. Os médicos nunca descobriram um tratamento que fosse efetivo no meu caso. ”, explica. 

 

Aos 40 anos e à frente da Associação Canábica Livre Medicinal (Acalme), que ajuda mais de 500 famílias a ter acesso ao óleo de canabidiol no controle de patologias, conta que possui uma relação de antes e depois com a Cannabis e que, se quando jovem, tivesse todas as informações que tem hoje, teria feito o uso de forma diferente, já com o viés terapêutico. “Eu vejo a Cannabis como um remédio. Então eu passo a entender o meu processo fitoterápico e  usar de maneira consciente”, explica. 

 

Associações são uma saída para que pais e famílias tenham acesso aos medicamentos

 

Diante da demanda e pedidos de ajuda vindos de diferentes partes, Eliezer buscou respaldo médico e jurídico e entrou em processo associativo. No início do ano, entrou na justiça para avisar que estava desobedecendo a lei há dois anos para então conseguir uma liminar e as autorizações, como algumas associações já conseguiram. “Quando a pessoa se associa, ele acaba assinando uma desobediência civil junto a gente faz o que o estado poderia estar fazendo. Então hoje se a justiça vier até o nosso cultivo, eles não têm como prender 500 famílias”, explica, ao falar sobre a desobediência civil baseada no “Estado de Necessidade de Preservação da Vida”, quando a pessoa assume estar desobedecendo a lei pelo direito à vida. 

 

Hoje, existem cerca de 40 associações já constituídas em todo o Brasil, segundo a Federação das Associações de Cannabis Terapêutica (Fact) e mais de 20 mil pacientes recebem extratos à base de Cannabis. E a importância das associações está em tornar esse acesso mais democrático. O número de pedidos de custeio do estado ainda é baixíssimo e, por conta dos custos, as associações vêm abrindo esse caminho de acesso aos medicinais. “Se hoje existe um número de pacientes fazendo uso, é por meio das associações. É uma luta muito grande, por isso, temos que fortalecer quem está fazendo aqui dentro, porque a gente acredita na auto sustentabilidade”, destaca Eliezer. 

 

Futuro da Cannabis no Brasil

 

Atualmente, 11 produtos são aprovados pela Anvisa para serem comercializados em farmácias, mas o cultivo da planta em casa para fins medicinais ainda é proibido. A maconha amplia o rol de tratamentos para doenças como esclerose múltipla, depressão e fibromialgia, mas o tema ainda enfrenta resistências. 

 

O projeto de lei 399/2015 quer alterar a legislação em vigor para regulamentar o plantio de maconha para fins medicinais, veterinários, científicos e industriais, da Cannabis Sativa (planta que também é utilizada para produzir a maconha) e tornar viável a venda com medicamentos com extratos, substratos ou partes da planta, exceto sobre o uso recreativo. 

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