Dona Ângela: A avózinha da viela Santa Cruz

Localizada na Rua Manoel Antônio Pinto, em Paraisópolis, a Viela Santa Cruz é uma das inúmeras vielas e becos da comunidade que ajudam a contar a história de seus moradores, boa parte deles migrantes de outros estados, como o caso da simpática Ângela dos Santos Lima, chamada carinhosamente de avózinha pelos moradores da viela onde vive há 18 anos com a família.

Dona Ângela e a bisneta, Paula. (Foto: Francisca Rodrigues)
Dona Ângela e a bisneta, Paula. (Foto: Francisca Rodrigues)

Na pequena casa de três cômodos onde mora com a neta e a bisneta, dona Ângela recebeu a jornalista que  vos escreve para contar um pouquinho  de sua história de vida. Afinal, não é qualquer um que chega aos 103 anos com tanta lucidez. A saúde também é um caso a parte,  “melhor do que a nossa”, são palavras da médica que acompanha a centenária, reproduzidas pela bisneta Paula Helen Dias Santos, 24. A jovem cuida da “vó” com muito amor e carinho, sentimentos retribuídos pela senhorinha. “Ela é o meu amor”, afirma dona Ângela.

As poucas vezes que a senhorinha sai de casa, vai até o portão da  viela para se aquecer um pouco em dias de sol, ou quando tem consultas ao médico. Ela afirma que não gosta muito de sair de casa. A bisneta confirma a resposta de dona Ângela, mas também afirma que as ruas íngremes sem calçadas dificultam muito a caminhada, problema que é agravado com os inúmeros obstáculos e a falta de mobilidade que a comunidade tem.

Avózinha nasceu no município de Conde, uma pequena cidade localizada a 150 quilômetros de SalvadorBahia, em 11 de dezembro de 1912. Casou-se duas vezes. Seu único filho, fruto do primeiro casamento com um pescador, faleceu logo após o nascimento. Do segundo casamento não teve nenhum filho, por isso resolveu adotar a afilhada Erenildes, quem a trouxe para viver em Paraisópolis após o falecimento do segundo esposo, no final da década de 1990.

Das histórias que conta, ela afirma  que, certa vez, viu  de perto Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião, um cangaceiro brasileiro, que atuou em quase todo o Nordeste, exceto no Piauí e no Maranhão, conhecido como Rei do Cangaço. “Meu pai tinha uma fazenda e eu estava lá com meus irmãos quando Lampião apareceu.  Ele chegou pedindo farinha”, explica.

Justiceiro-herói para alguns e bandido para outros, Lampião criou um mito, que se confunde com as lendas do sertão brasileiro. Porém, dona Ângela afirma que se sentiu aliviada porque o cangaceiro não mexeu com ela ou com a família, pois sabia da fama que Lampião tinha, de matar as pessoas por onde passava.

De todas as recordações, a família é a que mais aperta o peito da centenária, que relembra com tristeza o dia em que perdeu a mãe, que faleceu devido a uma hemorragia pós-parto.

Dona Ângela tinha apenas 11 anos de idade quando tomou para si, a pedido da mãe Deolinda, no leito de morte, a responsabilidade de cuidar dos 11 irmãos. “Minha mãe me abraçou e disse que ia morrer, e pediu para eu cuidar dos meus irmãos” , se emociona.

As irmãs gêmeas, que nasceram no dia do falecimento da mãe, também não sobreviveram. Dos 11 irmãos que a senhorinha ajudou o pai a criar, apenas uma está viva, mas ela não tem contato. A única informação que tem da irmã mais nova é que ela vive no Rio de Janeiro com a família. “A gente entrou contato há três anos, mas ninguém retornou”, explica a bisneta.

Pergunto se ela tem vontade de reencontrar a irmã ou conhecer os sobrinhos, ela diz com um olhar triste que não, talvez guarde uma mágoa pela irmã nunca ter retornado a ligação. Mas quando pergunto se tem um sonho, ela sorri e diz que gostaria de ir à Bahia visitar os 23 afilhados, em seguida, ela abaixa a cabeça e diz “Sou muito velha para isso”.

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Jornalista, produtora cultural, diretora de comunicação da Cria Brasil, agência de comunicação de território de favela que surgiu com o compromisso de gerar impacto social positivo nas comunidades do país.

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