Evelin Coutinho | Cuidado com a superproteção

*Por Evelin Coutinho

A pequena Mary estava na praia com a sua mãe com quem manteve o seguinte diálogo:

– Mãe, posso brincar na areia?

-Não meu bem; não quero que suje o vestido.

– Então posso andar perto da margem?

– Não, você pode se molhar e pode se resfriar.

– Posso brincar com as outras crianças?

– Não, você vai se perder entre as outras pessoas.

– Mãe, compra um sorvete?

– Não. O sorvete faz mal a garganta.

 A pequena Mary começou então a chorar. E a mãe falou para uma senhora que estava do lado dela: Por todos os santos! Viu que menina neurótica?

Trecho extraído do livro: Gente Tóxica. De Bernardo Stamateas.

É natural, instintivo e necessário que nos primeiros meses de vida haja cuidados por parte dos pais; cuidados denominados de: superproteção. Superproteção no sentido de um olhar de extrema atenção as necessidades, de condução, de uma resposta imediata a qualquer movimento do pequeno ser, tão frágil e delicado.

Mas, com o passar do tempo naturalmente a relação caminha em uma construção necessária de desvinculação. Desvinculamento este que permite que o filho se desenvolva, ampliando-lhe o universo, capacitando a explorar, experienciar e assim registrar internamente conteúdos para formação da sua personalidade.

A questão é que muitos pais/ mães possuem uma dificuldade de diferenciação e acabam transferindo suas inseguranças, ansiedades e angústias para seus filhos, permanecendo em uma conexão de superproteção para com eles.

Estas neuroses aparecem nos rótulos que nomeiam seus filhos:

– ele é desorganizado, por isso faço por ele.

– ela é distraída, por isso digo sempre que decisão deve tomar.

E assim segue….

Bem, como medos que são projetados, fazendo seus filhos refém de suas histórias, impedindo que tenham suas vivências de modo pessoal, inibidos por proibições, controles rígidos desprovidos de sentido, mas sustentados em crenças distorcidas, que mais dizem respeito a frustrações destes próprios pais.

O resultado não seria outro: crianças fadadas, seja pelo excesso ou pela falta, crescendo sem solo, porque sempre alguém fez por ela e por ela decidiu, não desenvolvendo uma voz ativa.

Filhos superprotegidos apresentam enorme dificuldade frente a frustração, isto porque os seus pais nunca os permitiram errar.  E como diz Jessica Lahey: o fracasso é o caminho obvio do sucesso. 

Aceitar que pode acertar, que pode errar, mas o que importa é o aprendizado, é chave para a proteção saudável, a proteção que produz o crescimento.

A proteção saudável no exercício da paternidade/ maternidade é antes tudo se questionar sobre seus próprios temores, seus ideais e priorizar o que conduz a autorresponsabilidade nos seus filhos; valor este que é inestimável na apropriação da História de cada um de nós.

Se livre das neuroses e permita que seus filhos se encontrem com o erro e o enxerguem como componente da vida.  O fracasso é valioso, se transformado em ferramenta de educação.

 

Nota: Pais superprotetores, Filhos bananas. Jessica Lahey.

Bernardo Stemateas. Gente Tóxica. Bernardo Stemateas

 

  • Evelin Coutinho é psicóloga clínica, professora de teologia e psicoteologia.  É colunista do jornal Espaço do Povo.
Digiqole Ad
+ posts

Relacionados