Moïse Kabagambe: favela busca resistir

Era manhã de sábado. Enquanto buscava me reerguer do COVID-19 e sobreviver, eu assistia aquele doloroso vídeo de espancamento e covardia. Fiz uma breve viagem para São Paulo. E na estrada do destino, notícias narram que uma das vozes de crítica social na língua, faleceu. Dizia ela: “carnificina humana, com alusão ao alimento da proteína mais cara, a negra”. 

E não é que essa arte musical teria razão?! Atualmente, o produto carne é o mais caro do Brasil, e a vida humana da cor escura, é quem mais tenta resistir ao fôlego da vida. Respira e expira. Acredito que não deu, essa máscara da vida desigual, estrutural e racial, não permitiu.

Falta amor no social e bandeira de paz. Assistimos chacinas sangrentas nas favelas cariocas com frequência, porque o estado entra, humilha, devasta e oprime. O tratamento é diferente para quem vem do gueto.

O relato da periferia incomoda, afinal, uma abordagem é pensada no estereótipo. E o que tudo indica e mostra: essa tal periferia é vista para curral eleitoral, assim que somos vistos e requeridos. Talvez, pintar a fachada de casas com tijolos expostos, resolva a situação e amenize o nosso cotidiano. 

Falar de Moïse é relembrar de casos e frutos do “acaso”, um jovem alegre e pessoa pura. Por isso, decidi acompanhar a manifestação do sábado, 6 de fevereiro, que reuniu familiares, amigos e todos aqueles que, assim como eu, se indignaram com a violência contra o jovem que cobrava apenas seus direitos. 

A comunidade congolesa pulou, gritou e se expressou através das artes cênicas. E num alto e bom som, bradou: “Tropicália assassina, Tropicália, assassina. Resistência, Resistência!” Menção ao quiosque onde ocorreu o assassinato.

Esse é mais um retrato da favela que não venceu, nem vencerá. Mas busca cada dia seu lugar. Uma história que relembra uma canção do rap, o homem que não tinha nada. Mas, dessa vez, não foi uma música de alerta, mas sim, notícia de choro e socorro.

Após a manifestação, encontrei uma vendedora ambulante que não quis se identificar por medo de feminicídio de um ex-namorado. Essa mesma senhora relatou que o jovem de 24 anos tinha uma pureza e vivia sorrindo. Mesmo sem saber que debochavam do seu sotaque congolês e o chamavam de macaco, além de tratá-lo como um verdadeiro escravo.

Com os olhos cheios de lágrimas, disse: “Eu o conheci. Ele era que nem uma criança, pessoa alegre sorridente. Isso que estão falando que era maconheiro, é mentira. Não fumava nem cigarro. Não tinha vício, bebia uma cervejinha porque o ensinaram a beber, mas não era alcoólatra. Houve preconceito sim, eles o chamando de macaco porque era congolês. 

Ainda de acordo com a ambulante, Moïse falava sorrindo e brincando, era que nem uma criança, não tinha maldade. Maldade tem deles, agora querem rotular, colocar como marginal, e maconheiro. Então vão matar todos os maconheiros do mundo? Isso quer dizer que se você é um usuário tem que morrer a paulada? Justifica? Não justifica o que fizeram, cometeram um crime e eles têm que pagar, é o que eu acho.”

Foto: Charlie Gomes

Charlie Gomes
Cria da favela Rocinha, é locutor e estudante de jornalismo. Atua em diversos projetos sociais na comunidade e é proprietário do jornal comunitário @rocinhacomunic.

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