“Sabíamos que se nos mobilizássemos para construir um bairro, a gente teria mais chance de dar certo.”

Relembra Gilson Rodrigues, morador da comunidade há mais de 30 anos

 

A minha história em Paraisópolis começou quando eu cheguei aqui aos cinco anos de idade, após o falecimento da minha avó, que eu chamava de mãe. A minha família já está aqui há 70 anos. Eu vim para cá atrás da minha mãe, uma mulher surda-muda que vivia aqui com minhas tias que vieram atrás da realização de um sonho: morar em uma cidade grande, dar educação para os filhos e fazer uma nova vida sem dificuldades. 

 

Chegamos aqui e nos deparamos com uma situação diferente daquela que nós sonhamos. Nos deparamos com a favela, preconceitos, dificuldades de acesso, morando em cima do córrego e passando por situação de fome e desemprego. Nós tínhamos que esconder que morávamos em Paraisópolis. Quando alguém perguntava onde vivíamos, éramos orientados a falar que morávamos no Morumbi, mas olhavam para a nossa cara e não era a cara do Morumbi. 

 

Todos esses preconceitos atrelados ao nome “Favela”, eu e minha família sofremos desde o início, e percebemos que a perspectiva de sair daqui era praticamente impossível alguns anos atrás. Mas sabíamos que se nos mobilizarmos para construir um bairro, a gente poderia ter mais chance de dar certo, e isso nós temos feito já há alguns anos. 

 

As pessoas não sonham em morar na favela, em passar dificuldade, morar em cima do córrego, sofrer com enchentes, morar em cima de ribanceiras e passar por um grande incêndio todos os anos. A gente não quer viver em uma situação de pobreza, queremos viver em uma situação de riqueza. Por mais dificuldades que nós passam no interior da Bahia, onde eu sofri violência, humilhações e cheguei até a comer lavagem de porco para sobreviver, era uma dificuldade diferente do que a que enfrentamos na cidade grande. 

 

Eu percebo que, cada vez mais, a força das pessoas está na união do povo, uma união da comunidade. E as comunidades no Brasil têm essa tradição de, em momentos de mais dificuldades, conseguirem se unir para resolver os seus problemas. E percebemos que essa união também representa união econômica. Se antes as pessoas nos viam como carente, quando a gente mostra o nosso número acumulado, as pessoas vão ver um número potente, que pode transformar a nossa vida, ajudar a desenvolver e gerar oportunidades de emprego. 

 

Nós estamos nesse momento criando uma nova Paraisópolis onde nós temos olhado menos para os culpados e focado em encontrar soluções. Não queremos ser vistos como marginais e violentos, mas sim como potentes. Não queremos ser carentes, queremos ser ricos, ter condições para formar as nossas vidas. Ir buscar um processo de transformação para a favela e, por consequência, transformar a nossa vida e a vida de outras famílias. 

 

A melhor forma da gente conseguir avançar ainda mais é criar opções para que as pessoas possam empreender e transformar as suas vidas. A partir do momento que a gente tem feito isso e tem dado certo, o Brasil inteiro tem olhado para a gente como um modelo que está dando certo pela mão dos próprios moradores. Podemos ser agentes da nossa própria transformação. E o Brasil olha, vê que está dando certo e começa a seguir. 

Memórias de Paraisópolis

 

Memórias de Paraisópolis Lançado em julho de 2015 pelo diretor de Comunicação da Agência Cria Brasil, Joildo Santos, o Memórias de Paraisópolis tem como objetivo criar um centro de memórias da comunidade, fazendo um recorte da história da segunda maior favela de São Paulo a partir de relatos dos moradores mais antigo.

 

Foto José Barbosa / Cria Brasil

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