Moradores de Paraisópolis retomam estudos por meio do Instituto Escola do Povo

 

Por Francisca Rodrigues

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Foto: Francisca Rodrigues

O primeiro passo é muito importante para quem decide mudar de vida. Não basta apenas sonhar, é necessário tomar decisões que possam trazer benefícios a tão desejada mudança. Para começar em um novo emprego, mudar de bairro, cidade ou simplesmente iniciar em um curso é preciso dar o primeiro passo, atitude de muitos dos alunos  de alfabetização de jovens e adultos do Instituto Escola do Povo (IEP) que, por meio do estudo, buscam transformar suas vidas.

Enoque Dantas, 42, quer fazer um curso de mecânica (Foto: Francisca Rodrigues)
Enoque Dantas, 42, quer fazer um curso de mecânica (Foto: Francisca Rodrigues)

Aos 42 anos, Enoque Costa Dantas decidiu fazer um curso de mecânica no Senai, para isso, precisaria ter concluído pelo menos a 6ª série do ensino fundamental. A principal dificuldade que Enoque encontrou foi o horário das aulas. Normalmente a EJA – Educação de Jovens e Adultos – ministradas por escolas da região, oferecem aulas apenas no período noturno, das 19h às 22h. Como Enoque trabalha à noite, não pode estudar no horário oferecido pelas escolas. Quando chegou no Instituto Escola do Povo, escola cujo objetivo é erradicar o analfabetismo em Paraisópolis, a principio queria apenas concluir o ensino fundamental. Hoje, ele quer muito mais que isso. “Quero terminar os estudos e aproveitar para subir mais um degrau”, afirma.

Nascida em Nova Soure, BA, Albertina  Francisca dos Santos, estudou até a 5ª série. “Quando você mora no sítio, você trabalha e não tem como estudar. Então, eu fui trabalhar na roça com meu pai e com minha mãe”, afirma. 

Albertina só conseguiu ir para uma escola com 22 anos, pouco tempo depois que chegou em São Paulo. Durante cinco anos, conciliou o trabalho em casa de família com os estudos, até que decidiu parar de estudar. Hoje, aos 55 anos sonha em fazer um curso de cuidador de idosos. “Quero fazer um curso de  cuidador  de idosos, pois gosto muito  desta área”, afirma.

A babá Albertina Francisca, 55,  começou a estudar com 22 anos (Foto: Francisca Rodrigues)
A babá Albertina Francisca, 55, começou a estudar com 22 anos (Foto: Francisca Rodrigues)

Atualmente, Albertina é babá e  estuda na mesma sala que  Enoque, no horário alternativo, das 8h às 10h. O horário matutino facilita a vida de muitos alunos, que  podem aproveitar o restante do dia disponível para cumprir com suas obrigações. Como é o caso da dona de casa Senhorinha Rosa Silva dos Santos. “De manhã é melhor para mim. Eu vou sair daqui e vou  arrumar a casa, fazer comida e buscar meu neto na escola”, contou.

Senhorinha teve seu primeiro contato com a escola este ano, quando iniciou seus estudos na “Escola do Povo”. A baiana de sessenta anos afirma que os pais dela não podem ser culpados por sua falta de interesse em estudar. “Ninguém deve jogar a culpa nos pais, porque quem quer vai à luta. Eu acho que eu nunca me interessei [pela escola].

Por não saber ler nem escrever, Senhorinha revela que enfrenta muitas dificuldades. Na hora de preencher uma ficha ou simplesmente ir ao mercado para fazer compras, conta com a ajuda do neto de dez anos, que inclusive é a pessoa responsável por auxilia-la no dever de casa. ” Ele me explica direitinho e separa as letras que eu não conheço”, fala orgulhosa.

“Eu sei mais ler do que escrever” , afirma a cearense Maria Sheila dos Santos, 47, que estudou até a 4ª série. Sheila trabalha com vendas e quer ser microempreendedora.” Eu quero montar um negócio para mim, daí eu tenho que saber ler, escrever e fazer conta para não deixar ninguém me passar a perna”, completa.

O balconista Fábio Jr. voltou a estudar a pedido do seu gerente (Foto: Francisca Rodrigues)
O balconista Fábio Jr. voltou a estudar a pedido do seu gerente (Foto: Francisca Rodrigues)

Aconselhado  pelo gerente do restaurante onde trabalha no Shopping Morumbi, Fábio Junior , 28, não pensou duas vezes para voltar a estudar. O atendente sabia que se quisesse ser promovido teria que  se dedicar aos estudos. “No local onde eu trabalho precisa ter mais conhecimento, fazer contas. Meu gerente pediu para eu voltar a estudar para poder trabalhar no caixa”, explica.

O baiano afirma que chegou a procurar uma escola, mas não encontrou uma que oferecesse horário alternativo. “Eu fiquei sabendo desta escola aqui, aí eu vim com minha mulher para fazer a matrícula”. 

Fábio e a esposa, Edizia,  estudam na mesma sala. O casal não tem com quem deixar o filho Matheus de apenas cinco meses, por isso,  o leva  para a sala de aula. “Hoje não deu para ela vir”, afirmou Fábio, e explicou que a esposa não foi à escola porque o  bebê estava doente. 

A professora Joyce Lacerda de Melo, 28, afirma que procura mostrar aos alunos a importância  de saber ler e escrever para ser inserido no mercado de trabalho. Segundo ela, mesmo quem deseja  trabalhar em casa de família precisa ter noções básicas. O empregador quer que o empregado saiba pelo menos atender o telefone e anotar o recado, tem que ter o mínimo de conhecimento para ser contratado.

Prestes a formar mais uma turma, a professora se mostra orgulhosa do resultado que os alunos têm apresentado. ” Eu tenho um aluno que quando chegou aqui tinha dificuldade até para juntar as sílabas”.  Ela explica que algum tempo depois ele fez uma prova no trabalho e conseguiu ser promovido. “Isso me deixou feliz. A gente acaba percebendo que o trabalho da gente foi bem feito”, comenta.

“A gente está chegando na nossa reta final e o sonhos não acabam aqui, eles vão continuar, seja para fazer uma faculdade ou abrir seu próprio negócio”, Finaliza.

 

 

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Jornalista, produtora cultural, diretora de comunicação da Cria Brasil, agência de comunicação de território de favela que surgiu com o compromisso de gerar impacto social positivo nas comunidades do país.

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