Sapatilhas, violinos e artista que utiliza garrafas PET, fazem parte da realidade da comunidade de Paraisópolis

Por Carolina Garcia para o IG São Paulo

Alagoano encontrou no verde da pet uma chance de ‘ter a natureza’ mais perto. Roteiro das artes na 2ª maior favela de SP ainda tem apresentações de ballet e orquestra

O desejo de se ver rodeado pelo “verde” levou o aposentado Antenor Clodoaldo, de 50 anos, a dar um destino pouco comum às conhecidas garrafas de refrigerante. Atraído pela cor e com muitas horas livres – que vieram com a sua aposentadoria precoce – o alagoano decidiu construir o seu “mundo ideal” com quase 26 mil garrafas pet. A obra ganhou fama na favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, e virou um dos pontos do roteiro cultural “Paraisópolis das Artes”, implantado há um mês pela associação de moradores.

O olhar de engenheiro foi conquistado após anos de trabalho na construção civil em Alagoas e em São Paulo, onde começou a trabalhar em 1981. Nos primeiros anos na capital paulista morou em alojamentos com outros pedreiros, passou pelo Capão Redondo e encontrou Paraisópolis. “Cheguei aqui e achei tudo muito vermelho e sem reboco [cor dos barracos]. Queria dar uma corzinha e contei a ideia para um vizinho, que me ajudou a coletar as garrafas”. O vizinho seria o “Jair do gás” que cobrava ao menos R$ 0,30 por cada pet encontrada.

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O investimento seguiu até a garrafa número 8 mil. “Depois começou a ficar muito caro”. Para continuar o projeto, Antenor passou a caçar garrafas pela comunidade e contou com doações. O aposentado lembra com certa tristeza o problema cardíaco que o afastou dos canteiros de obras e lhe rendeu um marca-passo, em 2011. Na sala, ele mostra cinco datas cravadas na parede. “Os dias que senti o choque [problema com o marca-passo]. Parece que você vai morrer”, explica.

O interior da “Casa de Pet” é simples e a posição das criações de Antenor revela que ele é o único morador. Solteiro e sem filhos, ele logo afasta qualquer impressão de que seja solitário. Além do artesanato, o artista divide seu tempo com o gosto pela vaquejada, música típica do Nordeste, e dedica alguns momentos para a cantoria em seu quarto, acompanhado por torres de tampinhas com LED. O momento alto do tour pela casa é o terraço, que conta com um quiosque-pet. “É o lugar perfeito para relaxar e pensar na vida.”

Entre sapatilhas e violinos

Além dos feitos dos próprios moradores, o roteiro cultural pela comunidade explora também as consequências positivas de importantes agentes externos, como a bailarina Monica Tarragó e o maestro Paulo Rydlewski. Em parceira com a União de Moradores e Comércio de Paraisópolis (UMCP), eles criaram a companhia de Ballet Paraisópolis e a Orquestra Filarmônica, respectivamente.

Assista ao trecho da aula de balé na comunidade:

Os projetos, que contam com investimento privado, atendem crianças entre 9 e 17 anos da comunidade que tenham frequência escolar comprovada e autorização dos pais. E engana-se quem pensa que o local é só diversão para as jovens. Monica e Paulo mantêm a rigidez e exigência já conhecidas entre professores de música e dança. “O segredo é o jeito que o professor pode cobrar. Posso ser duro e rígido com a mesma serenidade que uso para elogios”, garante Paulo.

Um dos desafios de ambos os projetos hoje é conquistar maior espaço para novos alunos. A fila de espera é imensa. “Hoje tenho centenas de crianças esperando uma chance para começar a dançar. Quem entra, não sai”, conta Monica. As pequenas bailarinas enfrentaram oito anos de estudos até a completa formação. São duas aulas semanais, com uma hora cada, até o nível profissional, quando poderão integrar companhias, aturar como coreógrafas ou mestras. “Meu maior objetivo é deixar uma história aqui e que minhas alunas continuem o que eu comecei”.

Já para o maestro, o sonho é levar a orquestra ao nível profissional e dar o título de bairro para a comunidade. “Quero ter a primeira orquestra a tocar a 1ª Sinfonia de Beethoven na favela. E transformar esse espaço em um bairro já que não dá para chamar de favela um lugar que tem uma orquestra que toca Beethoven”.

Jovem Cainã Elias, de 17 anos, durante ensaio com violino:

Para realizar o passeio “Paraisópolis das Artes”, na comunidade de Paraisópolis, basta procurar a União dos Moradores no (11) 3501-3275 ou artes@paraisopolis.org

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