O Mercado Audiovisual das Favelas

Por Gabriela Marinho 

As produtoras independentes das favelas mostram o outro olhar de quem está nas comunidades e, apesar das baixas perspectivas do mercado audiovisual, estão driblando as dificuldades. Com poucos recursos, orçamentos e sem auxílio financeiro governamental, essas produções vêm alcançando festivais internacionais.

 

Como no caso da Quebrada Produções, da empreendedora Renata Alves, que  atua em Paraisópolis, segunda maior favela de São Paulo, e teve seu filme “Mas eu não sou alguém?” indicado para os festivais internacionais Montreal Independent Film Festival e New York Independent Cinema Awards. O filme também foi o ganhador de duas categorias no São Paulo Film Festival: Melhor filme narrativo e Melhor filme segundo a audiência! 

 

Renata conta que sempre foi muito procurada por grandes produtores para gravarem na favela, e como ela conhecia tudo e todos, sempre conseguia articular para que o trabalho acontecesse, organizando a pré produção, desde arranjar o espaço para locação, os personagens e suas histórias, até acompanhar a equipe. 

 

Porém, a história de quem vive na favela era sempre retratada por atores profissionais, mas que nem sempre representavam o morador e foi a partir disso que Renata viu que ninguém melhor para contar a história da comunidade do que seus próprios moradores. Ela  resolveu investir nesse mercado e criou sua própria produtora, a Quebrada Produções.

 

Para Renata, um dos seus grandes desafios foi se ver como empreendedora e ter que se reafirmar como uma produtora qualificada quanto às outras, independente de estar na favela. Atualmente a Quebrada Produções tem notoriedade por produzir grandes obras, mas foi preciso vencer os desafios do mercado audiovisual, que muitas vezes sucateia o trabalho de pequenos produtores, principalmente os de periferia.

 

Quando questionada sobre como se imagina daqui a dez anos, Renata diz “me imagino levando meu trabalho para fora, de maneira que realmente tenha retorno para as produtoras de favelas e que esses espaços sejam abertos e reconhecidos. E já comecei a trilhar esse caminho com o curta ‘Mas eu não sou alguém?’.”

 

O produtor Marcelo Galvão durante gravação de clipe do grupo ” Louvo No Flow”.

O baiano Marcelo Galvão de 28 anos, dono da Galvão Filmes, conta que veio para São Paulo aos 15 anos em busca de uma oportunidade profissional. Foi durante a gravação do filme Cidade de Plástico, em Paraisópolis, que despertou seu interesse pela área. Ele se encantou pela forma como eram feitas as cenas, pelo set de gravação, por todo o trabalho e todo aquele universo cinematográfico. E foi assim que decidiu querer seguir no  audiovisual, mas dos 16 aos 20 anos, quis o destino que ele trilhasse outros caminhos antes de realizar seu sonho. Marcelo Galvão, que já havia se tornado pai, trabalhou em outras áreas como açougueiro, entregador de gás e também piscineiro. E como a formação em cinema era bastante acirrada e cara, Marcelo priorizou outras necessidades daquele momento. E ao fazer um curso de audiovisual de noções básicas, pela ONG Bovespa, em Paraisópolis, viu a  oportunidade de seguir a carreira tão desejada. Foi nesse curso que ele soube do Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias, se inscreveu, passou no processo seletivo e conseguiu realizar seu sonho de ter uma formação na área de audiovisual. 

 

Após a formação, Galvão começou a produzir clipes para amigos músicos e MCs e, a partir dessa experiência, surgiu a ideia de ter a sua própria produtora. E atualmente, a Galvão Filmes atende cerca de dez artistas da favela. O produtor conta que além da produtora, ele também faz serviços de freelancer de audiovisual para grandes empresas como Honda e Nike, mas o seu objetivo é trabalhar apenas com a sua produtora, criando ‘videoclipes’ musicais e continuar produzindo para artistas da favela, para terem  oportunidade assim como ele um dia teve.

 

“Meu sonho é ver minha produtora bombar e eu ajudar todo mundo que está perto de mim. Meu sonho é viver da música e da arte.”

A produtora Josiane Paixão, de 24 anos, é formada em Relações Públicas e integra o coletivo de audiovisual Quilombarte, de Paraisópolis, cujo objetivo é construir novas narrativas sobre as pessoas que vivem na favela. Ela conta que a ideia do coletivo é  fazer com que o morador da favela se sinta representado de fato nas cenas, um descontentamento bastante frequente de quem vive em comunidade e vê histórias de vida em comum sendo retratadas em grandes produções. Por isso surgiu a necessidade de produzir conteúdos da periferia (a arte periférica) para a periferia.  Em 2021, o coletivo criou uma série documental chamada “Five-Lados”, que conta a história de cinco moradores da comunidade Paraisópolis, em São Paulo. 

 

E para o Quilombarte, o ano de 2022, já iniciou com novos projetos. O coletivo está com uma nova produção, “A Blogueira da Favela”, curta metragem que contará a história de uma personagem fictícia da comunidade. O filme, que terá como protagonista a mulher negra e moradora da favela, irá retratar o cotidiano da personagem viralizado na internet. 

 

Com as filmagens já marcadas para fevereiro de 2022, Josiane conta que além do desafio de levar informações para mais pessoas, documentar a história de quem vive na favela, existem também os desafios estruturais, relacionados às situações econômicas e sociais das comunidades. Ela também fala sobre as expectativas, como produtora independente. 

 

“Eu acredito que seria mais forte e com a presença maior em outras comunidades, ter uma atuação expandida não só aqui para Paraisópolis, mas para outras comunidades para que a gente possa dar ainda mais voz para essas pessoas com trajetórias de luta, que vivem aqui e muitas vezes são esquecidas pelo poder público. E, além disso, trazer e fortalecer ainda mais o de espaços públicos”, afirma Josiane.

Foto: ADR Produções – Luiz Maike durante captação de cenas para o videoclipe ” Favela Resiste”.

Luis Maike, de 28 anos, da MAIKEHITS, também morador de Paraisópolis, conta que a ideia de criar a MAIKEHITS surgiu da vontade de realizar sonhos de pequenos artistas que tinham pouco investimento para seus ‘videoclipes’.

 

Formado em cinema, Maike também é músico independente e conhece bem a realidade de quem deseja se lançar no mercado. “Sempre tive que tirar do meu próprio bolso para produzir uma música autoral e, em vários locais, uma simples produção musical, pode custar até 5 mil reais e um videoclipe, até 10 mil reais.” Para dar oportunidade para músicos da comunidade, Maike conta que chegou a reduzir os valores cobrados e até fez produções musicais e videoclipes de graça.

 

Trabalhar com o propósito de contribuir com artistas de baixa renda foi uma das vantagens da MAIKEHITS durante a pandemia. “Por conta de conseguir me virar em projetos praticamente sem dinheiro e por não cobrar valores exorbitantes dos artistas, eu não tive tanto impacto pela pandemia. Acredito que quem sofreu mesmo foram as empresas grandes”, conta Luis Maike.

 

Para ele, um dos maiores desafios por ser da favela é a oportunidade de encontrar investidores para os artistas em lançamento. “Não crio expectativas com o futuro, mas acredito que vou estar bem posicionado no mercado, trabalhando com artistas renomados e artistas independentes, oferecendo a mesma qualidade de mercado para ambas as partes, sem desigualdade”, comenta.

“Maior desafio é a aquisição de equipamentos para entrar no mercado e disputar igualmente com grandes produtoras.” – Anderson Jorge.

Já para Anderson Jorge, de 41 anos, da Maré Filmes, o maior desafio é a aquisição de equipamentos para entrar no mercado e disputar igualmente com produtoras maiores. Anderson criou a Maré Filmes inspirado na ideia de ver uma pessoa assistindo e se emocionando com a mensagem do vídeo produzido por ele. Ele resolveu iniciar com sua produtora a partir de vídeos de seu filho, que ele mesmo produziu, desde o nascimento até os primeiros anos de vida, e divulgou nas suas redes sociais. “Comecei a receber elogios, alguns comentários de incentivos e o famoso “Like” nos vídeos. Não deu outra, comecei a estudar e levar a sério, então percebi ter me encontrado na profissão”. Conta Anderson.

 

Atualmente, a Maré Filmes trabalha com projetos voltados para  MCs, rappers e músicos independentes, mas com a chegada da pandemia, e a impossibilidade de gravar videoclipes e da realização de eventos presenciais, Anderson viu uma nova oportunidade no mundo dos games. “Na pandemia só trabalhei com edição de games devido ser tudo on-line”, afirma o videomaker.

 

Anderson revela ainda que pretende levar seu conhecimento adiante e criar um projeto,  com sua produtora, voltado para crianças, para que, quem se interessar pela área, tenha a oportunidade de seguir carreira. Ele fala que trabalhar com criança é mais fácil para aguçar a criatividade e o interesse. “No mundo digital, tudo depende do vídeo, se o cara quer ser um gamer, ele precisa editar vídeo, se ele quer ser youtuber, precisa editar vídeo. Meu filho, hoje, tem 10 anos e já edita vídeo, imagina como ele vai estar editando quando estiver com 17 anos.”, finaliza Anderson Jorge.

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