“Não podia nem chorar, precisava ser forte pelas crianças, por mim”

Por: Talytha Cardoso

 

Todos os dias, pela manhã, a partir das 9h,  de segunda a sexta-feira e até em casos de urgência aos finais de semana,  a mineira Alexandra Pereira Silva, 46 anos sai de casa com um propósito: ajudar as pessoas por meio das iniciativas realizadas pelo Bloco de Líderes  e  Empreendedores de Impacto Social – G10 Favelas, localizado na zona sul de São Paulo em Paraisópolis, situado num Pavilhão tão grande,  que é possível ser avistado de longe, antes mesmo de descer parte da Av. Hebe Camargo, na altura da creche Perimetral I.

Antes de caminhar pelas ruas estreitas e sem calçadas adequadas para chegar ao trabalho que fica na mesma comunidade onde vive há 6 anos, e com muito esforço conseguiu comprar a sua casa faltando apenas poucas parcelas para quitá-la, deixa o café da manhã e o almoço do dia pronto para seus quatro  filhos: Lucas, 20, Kaique, 18, Tais, 14, e Laís, 12. 

O segundo filho de Alexandra, Kaique, nasceu com Síndrome do Espectro do Autismo leve, ou autismo grau 1. Na época da gestação, não foi identificado nenhum tipo de anormalidade nos exames periódicos do pré-natal. Alexandra só veio saber que o filho tinha a síndrome, quando ele completou 3 anos de idade e parou de falar completamente. Nesse dia, que ele ficou completamente mudo, ela pensou que era uma brincadeira que o filho estava fazendo, mas passado muitas horas que ele não falava palavra alguma, logo percebeu haver algo de errado com a criança e saiu às pressas para o posto de saúde mais próximo de casa. Levou o pequeno para Minas Gerais por algum tempo, para ver se conseguia ajuda por lá, mas só tinha a opção de ir para a capital, Belo Horizonte, muito longe de onde morava, ou continuava a buscar o tratamento em São Paulo.

Como uma mãe guerreira e sempre decidida a buscar ajuda para o filho, Alexandra perdeu as contas de quantas vezes passou noites e noites em claro acompanhando a criança por hospitais da capital Paulista. Tudo o que era passado de tratamento, ela saía em busca de saber mais, de como poderia cuidar do filho da melhor maneira possível, “nem que para isso tivesse que ir à China”, segundo ela, sempre visando proporcionar qualidade de vida para Kaique. 

A rotina hospitalar fazia parte da família Fernandes, e a atenção era toda para atender as dificuldades do filho com necessidades especiais. Kaique estava com 6 anos, e Alexandra acreditava que o apoio do marido naquela época seria fundamental se não fosse a proposta feita por ele entre escolher cuidar do filho autista ou dele. Para ela pareceria uma piada de mal gosto, se não tivesse que deixar a casa que ajudou a construir, partindo para bem longe  com os 4 filhos pequenos, rumo a qualquer lugar que estivesse fora do alcance do pai traidor, marido, ingrato e incompreensível. Foi assim que Alexandra se sentiu, apunhalada e incompreendida no momento mais difícil da vida. A salvação dela e para as crianças foram os R$200,00 do Bolsa Família, onde pôde alugar um quartinho por R$120,00 e com o pouco que havia restado do dinheiro, conseguiu comprar alguns utensílios na loja de R$1 real. Com as roupas do corpo, com a cara e a coragem construiu seu castelo, apenas ela, e seus 4 filhos.

“Foram dias de muita luta, dias de muito choro. Havia dias de tanta dor e ainda assim não podia nem chorar, precisava ser forte pelas crianças, por mim”,  relata. Quando já não era possível suportar a dor de tanta luta, as paredes do banheiro quando tomava banho era o seu lugar de desabafo, de refúgio. Era lá que ela aliviava a alma conforme as lágrimas se misturavam com a água do banho. Foram dias nublados e parecia que o sol não brilhava, e as forças pareciam ir embora. 

A dificuldade de cuidar dos filhos e trabalhar para mães solos nunca foi tarefa fácil. Apesar das mazelas que viveu, sempre viu nos estudos a janela para o futuro, sempre incentivou os filhos a estudarem para que eles não passassem o que ela havia passado. Antes de ser mãe e sair da sua cidade natal, Santa Helena de Minas, localizada no Estado de Minas Gerais, e virar uma paulistana “postiça”, trabalhou na pequena cidade com o que surgia, não havia perspectivas de vida de onde vinha. E essa lembrança servia como um incentivo para estimular os filhos a estudarem.

A luta para levar o filho especial para a escola foi só mais um dos desafios que ela precisou enfrentar. Por perder a fala aos 3 anos de idade, a comunicação era muito difícil, Alexandra até buscou aprender libras, para poder atender as necessidades mais básicas do filho, porém  foi orientada pelos médicos que estimulasse a fala da criança com atividades e foi isso que ela fez. Sempre dava para Kaique ler gibis e livros, e foi assim que surpreendentemente ele voltou a falar aos 9 anos.

Antes da fala voltar, depois de 6 anos apenas se comunicando por sinais, o período escolar foi um dos momentos mais difíceis, relembra Alexandra. Quase todos os dias o menino chegava em casa com as roupas sujas das próprias necessidades, pois ele não conseguia pedir a ajuda para os professores para ir ao banheiro, a ausência da fala era um grande obstáculo entre ele e os educadores. 

A situação era tão grave que a diretora da escola onde Kaique estudava, procurou Alexandra para dizer que não havia estrutura no colégio o suficiente para acolher a deficiência da criança. Diante desse relato, ela foi buscar ajuda com os professores da creche que ele havia estudado, que logo se mobilizaram a buscar ajuda para que o menino fosse matriculado como toda criança tem direito.

 Hoje Kaique, já formado pelo Ensino Médio, tendo as  notas mais altas que muitos alunos nos exames finais, se formou com êxito e por méritos próprios, sem precisar de escola especial num período delicado de pandemia, tendo como força e superação o apoio incondicional da sua mãe que nunca desistiu de lutar pelos seus direitos. 

Como uma saga que parecia não ter fim, não havia duas opções para Alexandra, era apenas uma; não desistir. Todo o trabalho incansável que Alexandra faz foi reconhecido na Homenagem no mês da Mulher, com uma linda mostra das Mulheres de Paraisópolis, ficando exposta durante todo o  mês de março no Shopping Campo Limpo, em São Paulo.

 

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