A revolução periférica

Por Gideão Idelfonso 

A revolução que nasce na periferia me faz lembrar a sátira do autor inglês George Orwell, no seu livro A revolução dos Bichos, em que um grupo de animais decide se rebelar contra um fazendeiro. O favelado também se rebela, mas contra a clara insatisfação sentida na pele. A queima da estátua do Borba Gato, em julho de 2021, pode simbolizar esse descontentamento histórico e o desejo de estar no comando e deixar de ser comandado.

 

Ao ver aquele ato, que naturalmente se tornou simbólico pelo fogo orquestrado e minado pelas discussões políticas opostas e prisão de dois integrantes do movimento na época, alguns questionamentos surgem: o que é uma revolução ou quem é Borba Gato? Uma revolução pode ser entendida como um rompimento brusco do estado das coisas, construindo uma nova, mesmo que a mudança política e a violência sejam acompanhadas desse processo. A queima da estátua do Borba Gato não foi uma revolução, que para muitos é uma utopia, mas podemos dizer que foi uma faísca revolucionária.

 

A estátua de Borba Gato, além de ser horrorosa é controversa e evidencia pelo ato, além da discussão sobre ela, o incômodo na barriga de um periférico e que queima devido à exploração do trabalho, manipulação, repressão estatal, violência como recurso, entre tantas outras coisas rotineiras. Os favelados começaram a entender que duvidar e questionar de sua situação faz parte da condição humana, e que se libertar dos grilhões da pobreza e seus efeitos colaterais podem ser realizados. A revolução de pensamento, cutucar para o debate, sendo o objetivo não perpetuar o passado, e sim se libertar através da arte, música, economia, política ou na rua.

 

A sociedade civil se organiza e o primeiro passo sempre deve ser contar sua história. Uma sociedade que não quer aprender com seu passado está condenada. Segundo Bonduki, para o Jornal da USP: “Essas estátuas homenageiam homens que efetivamente participaram do massacre da população indígena brasileira. Não basta suprimir, nós precisamos fazer um debate educacional e cultural para colocar os bandeirantes no seu devido lugar e fazer uma revisão dessa história” e sugere a criação de um novo monumento no lugar de Borba Gato como em homenagem ao povo guarani, caminhos que façam compreender melhor todo o papel da história.

 

O Borba Gato foi sim um bandeirante paulista, fez expedições em busca de ouro e mão de obra escrava para suas andanças. Se tivesse que usar qualquer forma de violência para conseguir o que queria, assim o fazia, vale ressaltar que era na época da coroa, um fugitivo. O fato interessante é que alguns defensores da criminalização do ato em São Paulo são descendentes diretos dos antigos bandeirantes e são esses em seus altos cargos, que definem normas e valores comuns que regulam o comportamento de um favelado.

 

As agendas dos que vivem em palácios não são as mesmas dos que vivem em favelas, e não é provável que isso vá mudar no século XXI. A agenda dos favelados deve ser escrita pelos próprios, considerando sim a transformação do arcabouço social e mais transformação estrutural da esfera política. Os tiranos sobem ao poder com o apoio da plebe ou dos pobres, e o periférico deveria subir ao poder com o mesmo apoio e são pontos que deveriam ser considerados. 

 

A revolução na periferia passa pela ruptura de pensamento, busca de novos horizontes, caminhos, e sentir-se responsável pela mudança dentro de um entendimento político que a favela não homogênea é mais plural do que muitos imaginam.

 

Foto: Reprodução Lucas Porto

Gideão Idelfonso
Cria de Paraisópolis, bacharel em Lazer e Turismo pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP. Pesquisador com foco na periferia e sua dialética com o Lazer e Turismo. Teve contato com projetos de impacto social em Paraisópolis e em áreas da Zona Leste.

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