Ucrânia e Rússia: guerra da desinformação

Por Adriana Teixeira

 

Não há limites para as fake news. Após a exaustiva convivência, nos dois últimos anos, com a desinformação sobre a covid-19, nos deparamos agora com as mentiras sobre o grave conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia. Muito antes do deslocamento do primeiro tanque russo em território ucraniano, as mídias digitais já começavam a ser invadidas por fake news preparadas a avançar rapidamente sobre as notícias e dar falsas e enganosas explicações sobre as causas da tensão entre os dois países do leste europeu. Nos deparávamos, então, com o surgimento de novo fenômeno de desinformação nas mídias digitais, planejado para distorcer a realidade e, assim, defender interesses econômicos e políticos, destruir reputações e impulsionar a lucrativa indústria da audiência nas redes.

 

A cobertura jornalística de uma guerra não representa uma tarefa simples. O instável cenário de destruição – e de morte – dificulta profundamente o trabalho do repórter que busca os fatos para descrever a realidade da operação militar. O olhar do jornalista sobre o embate estará sempre determinado pelo território que ele ocupa, ou seja, seus relatos referem-se ao “lado da guerra” em que ele se posiciona para realizar sua investigação. Este profissional ainda deve lidar com informes e relatórios de guerra e comunicados de imprensa emitidos por países que buscam convencer a opinião pública sobre a legitimidade de suas ações militares. Neste ponto, trazemos à memória a célebre frase atribuída ao senador norte-americano Hiram Johnson, proferida em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial: “Quando começa a guerra, a primeira vítima é a verdade”. O cenário da comunicação sobre as guerras parece, então, ganhar contornos ainda mais complexos com a chegada do Facebook, Twitter, TikTok, YouTube e WhatsApp, entre outras plataformas e aplicativos de mídia.

 

Se ainda hoje temos dúvidas sobre os interesses e as operações das invasões lideradas pelos Estados Unidos no Iraque (2003) e no Afeganistão (2001) – embates distantes das redes digitais –, como será o nosso entendimento da guerra entre a Rússia e a Ucrânia diante de um noticiário profissional (com tendências políticas) constantemente atravessado por desinformação produzida em vários idiomas e, constantemente, saltando de um país ao outro? Estas fake news são produzidas pelos próprios países envolvidos no conflito, por grupos econômicos e ideológicos interessados nos efeitos do embate militar, por partidos políticos do mundo inteiro e difundidas massivamente por perfis e sites interessados em cliques, likes e compartilhamentos de conteúdo. Os confrontos narrativos impostos pelas fake news sobre a guerra travada no leste europeu podem ter ultrapassado a disputa entre a Rússia e a Ucrânia. 

 

Centros de pesquisa e observatórios internacionais dedicados ao estudo da desinformação nas mídias digitais relatam que, neste contexto de guerra entre Rússia e Ucrânia, foi identificado elevado número de peças de desinformação nos formatos de vídeo, com legendas e pequenos textos. E a grande maioria delas é composta por imagens de outros conflitos, ou seja, com a reprodução de embates em outros países e de outros tempos. As imagens são verdadeiras, mas não se referem ao conflito militar no leste europeu. Outros vídeos têm cenas de filmes de guerra e até partes de jogos de simulação de voo e de videogame. Chamou a atenção, ainda, dos pesquisadores a forte presença de vídeos adulterados com as falas dos presidentes dos dois países, o ucraniano Volodymyr Zelensky e o russo Vladimir Putin. Os vídeos apresentam legendas falsas, que não se referem à imagem, ou tiveram as falas editadas, conferindo outro significado ao material. Estamos em contato com narrativas que buscam confundir nossa compreensão sobre a realidade da guerra no leste europeu, com a descrição de ataques que não ocorreram ou de falsas acusações.    

 

No Brasil, agências de checagem de notícias identificaram considerável número de fake news sobre a guerra da Ucrânia e da Rússia em perfis e sites de celebridades e de entretenimento – que enxergaram neste noticiário grande oportunidade para alavancar a audiência. Em alguns casos, diante de um certo tipo de sensacionalismo característico destes falsos posts e da dificuldade de encontrar tais informações em sites confiáveis de notícias, os seguidores rapidamente alertaram sobre a presença de fake news nestes canais. O reconhecimento desta desinformação pelo público representa uma ótima notícia diante do caos informacional em que vivemos nas mídias digitais. Estamos, juntos, na linha de frente contra as fake news

 

Adriana Teixeira

É jornalista, pesquisadora, doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Atuou como repórter e editora, por 20 anos, nos jornais Diário Popular, Diário de S.Paulo e Brasil Econômico. Também realiza palestras sobre seu principal objeto de pesquisa: desinformação científica.

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Jornalista, pesquisadora, doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Atuou como repórter e editora, por 20 anos, nos jornais Diário Popular, Diário de S.Paulo e Brasil Econômico. Pesquisadora e palestrante do tema desinformação científica.

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