Sociedade da desinformação evita as notícias

 Sociedade da desinformação evita as notícias

Notícia divulgada nos últimos dias trouxe preocupante alerta sobre o futuro da influência da desinformação nos meios digitais. Pesquisa feita pelo Instituto Reuters, com 93 mil adultos e jovens em 46 países, revela que o interesse por notícias (produzidas por empresas jornalísticas) diminuiu consideravelmente em quase metade das nações participantes da consulta. Trinta e oito por cento dos entrevistados disseram que evitam acessar notícias, e boa parte afirmou que não confia nestas informações. Apenas quatro em cada dez pessoas, 42% da amostra, disseram que confiam na maioria das notícias acessadas diariamente. A pesquisa é realizada há 11 anos pelo centro britânico de estudos em jornalismo, em Oxford, e inclui, principalmente, consumidores de notícias online. As entrevistas deste ano foram feitas durante os meses de janeiro e fevereiro.

Este comportamento de aversão a notícias, segundo o Instituto Reuters, dobrou no Brasil (54%) e no Reino Unido (46%) nos últimos cinco anos. A Finlândia mantém seu posto no ranking como o país com os níveis mais altos de confiança geral em notícias (69%), e os Estados Unidos têm destaque na pesquisa como a nação com os níveis mais baixos de confiança nas notícias (26%). Sobre a Finlândia, vale lembrar que o país lidera, há anos, os melhores índices referentes ao desempenho global em educação. Sobre os Estados Unidos, podemos considerar o caos informacional gerado pelo governo do então presidente Donald Trump, entre 2016 e 2020, que insistia em desacreditar o trabalho da imprensa que criticava a administração republicana.

O levantamento do centro britânico mostrou que o consumo de mídia tradicional, como TV e jornais e revistas impressas, diminuiu ainda mais neste ano, dando lugar para o consumo de informações em ambiente online e em redes digitais. Para 60% dos entrevistados, o Facebook representa fonte de informação e para outras finalidades, mantendo a liderança entre as redes digitais – embora tenha registrado queda de cinco pontos percentuais desde seu pico em 2017, alcançando nível semelhante ao do YouTube. Instagram (40%), TikTok (16%) e Telegram (11%) são as únicas redes que cresceram em 2021. O TikTok aparece na pesquisa do Instituto Reuters como a rede que mais cresceu, principalmente entre os jovens dos 18 aos 24 anos na América Latina, Ásia e África. A pesquisa ainda aponta para o instigante fenômeno que cresce no processo de busca, compartilhamento e discussão de notícias: a combinação entre redes digitais e aplicativos de mensagens. Entrevistados em países africanos, como Nigéria, África do Sul e Quênia, afirmaram que usam WhatsApp (55%) e Telegram (18%). Os latino-americanos usam todas as redes e aplicativos. Já o YouTube foi indicado por 44% dos entrevistados na Coréia do Sul como a principal fonte de informação, junto com os aplicativos KakaoTalk (24%) e KakaoStory (5%).

Tantos números merecem uma explicação: por que as pessoas estão deixando de consumir notícias? O Instituto Reuters revela que cerca de um terço destes entrevistados afirmaram que as notícias não são confiáveis ou são muito tendenciosas. No Brasil e no Reino Unido, eles disseram que as notícias têm “efeito negativo em seu humor”. Mais de 40% explicaram que se sentem desanimados com a repetitividade das notícias. Outros 17% deste total afirmaram que as notícias levam a discussões que eles preferem evitar. E 16% se sentem impotentes e acham que nada podem fazer com as informações. Em países como Austrália, Estados Unidos e Brasil, 15% dos jovens disseram que evitam as notícias porque são difíceis de compreender e acompanhar.

Os depoimentos destes entrevistados apontam para duas hipóteses sobre as causas do afastamento da notícia. Primeira hipótese: o jornalismo tem investido demasiadamente nas “más notícias” e deverá repensar seus critérios de produção de informação. E a hipótese mais preocupante: o humano pode estar perdendo a valiosa capacidade de se relacionar com a (dura) realidade, que se impõe a todo momento. E nesta suposição lembramos da potência da influência das fake news sobre aqueles que buscam respostas simplificadas para questões complexas. Sim, uma das intenções da desinformação é falsificar o real, tornando-o mais “palatável” e seduzindo o interlocutor a adotá-la como verdade. Mas, sem a compreensão dos fatos e da realidade, corremos o risco de tomar decisões totalmente equivocadas e perdermos o nosso compromisso ético com a humanidade no processo coletivo da existência.

A notícia, entendida como produto da atividade jornalística, representa um dos meios relevantes para o acesso à realidade. Sim, não é a única fonte informação. Podemos consultar online revistas científicas sobre saúde, sites oficiais sobre assuntos diversos e ter acesso a respeitados e sérios conhecedores da Biologia, de Políticas Públicas, Economia etc. Cada vez mais, precisamos desta combinação de saberes para resistir à desinformação, que avança descontroladamente. Me parece, neste momento, impossível sobrevivermos sem o jornalismo ético e comprometido com os fatos. Corremos o risco de ficarmos cada vez mais vulneráveis à desinformação.

Estariam, então, as fake news atingindo o seu objetivo principal? A desinformação congestiona o ambiente online com mensagens falsas e enganosas, provocando a saturação de dados e informações e dificultando o discernimento entre o conteúdo falso e o verdadeiro. O alto volume de mensagens, falsas e verdadeiras, conduz os internautas a um certo tipo de cansaço na relação com a informação, desmobilizando a busca pela notícia e fragilizando o pensamento crítico. Sem resistência, a desinformação prevalecerá.  Sem critério na seleção das mensagens e sem fontes de referência, tudo passará a ser aceito nas redes – e fora delas. Como, então, será o diálogo?

Mas a pesquisa do Instituto Reuters nos dá uma esperança. Os entrevistados que afirmaram ter perdido interesse pelas notícias também estão entre os mais atentos à persistência da desinformação nas redes digitais. Em todos os países, 54% demonstraram preocupação em identificar a diferença entre o que é real e falso na internet quando se trata de notícias. Mas as pessoas, que disseram usar principalmente as mídias sociais como fonte de notícias, estão mais preocupadas (61%) do que as pessoas que não as utilizam (48%). A pesquisa da Reuters parece nos mostrar que precisamos, com urgência, compreender a finalidade das redes e aprender a usá-las, para que não sejamos seduzidos a renunciar ao que nos é fundamental para a preservação da espécie.

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Jornalista, pesquisadora, doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Atuou como repórter e editora, por 20 anos, nos jornais Diário Popular, Diário de S.Paulo e Brasil Econômico. Pesquisadora e palestrante do tema desinformação científica.

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