Por que as fake news parecem verdadeiras?

Por Adriana Teixeira

 

As fake news enganam e confundem a audiência porque são produzidas para parecerem verdadeiras. Disfarçam-se de notícia para nos convencer desta pretensa credibilidade, e adquirem diferentes formatos e linguagens para circularem livremente por plataformas digitais, aplicativos de trocas de mensagens e sites impostores. 

 

Sustentam narrativas que falsificam a verdade para influenciar a nossa percepção da realidade. E, muitas vezes, conseguem atingir seu objetivo principal: não serem identificadas como mentiras. 

 

Nós, brasileiros, já fomos considerados a população que mais acredita em fake news. A constatação foi resultado de uma pesquisa global conduzida pela organização de mobilização digital Avaaz, no primeiro semestre de 2020. A pesquisa consistia em expor os entrevistados a narrativas falsas sobre a COVID-19 e registrar quantos deles achavam que elas eram verdadeiras. Os brasileiros foram os mais enganados (73%): sete em cada dez entrevistados acreditaram nas fake news sobre o coronavírus. Logo atrás de nós estavam os italianos (65%) e os americanos (59%) na lista das populações mais vulneráveis à desinformação. No início daquele mesmo ano, outro estudo, feito na América Latina pela empresa de segurança digital Kaspersky revelava que 62% dos brasileiros não eram capazes de identificar fake news. 

 

Passados dois anos de caos informacional, novos estudos já começam a indicar alteração na nossa relação com fake news. A exposição diária à desinformação durante a pandemia da COVID-19 e o crescente debate sobre o tema podem ter despertado a nossa atenção para as consequências devastadoras das notícias fraudulentas. Este é o caminho apontado pela pesquisa global do Instituto Reuters, da Universidade Oxford, divulgada em setembro do ano passado, e mostra os brasileiros (85%) como os mais preocupados com a circulação das informações falsas no ambiente comunicacional. Cerca de 40% dos entrevistados no Brasil manifestaram inquietação com a participação de políticos na divulgação de desinformação sobre o coronavírus. Logo atrás do Brasil estão Portugal (71%), Espanha (69%), Chile (66%), Grécia (66%), Austrália (65%) e Estados Unidos (64%). 

 

A boa notícia nos leva a investir cada vez mais no debate e na reflexão sobre desinformação, especialmente a científica – que nega o valioso trabalho dos pesquisadores. Em plena pandemia, todos os dias, nos deparamos, frequentemente, com textos, áudios e vídeos que contrariam a importância das vacinas diante de inumeráveis evidências sobre a eficácia dos imunizantes. Pesquisas no mundo inteiro mostram, por exemplo, que a maioria dos indivíduos vacinados não necessita de internação hospitalar no caso de contágio pela variante ômicron do coronavírus. Apesar dos fatos, a desinformação insiste na negação da Ciência – e atua motivada por interesses políticos e econômicos. 

 

O primeiro passo para seguirmos atentos às intenções das fake news é reconhecer que elas não são resultado de erros ou descuidos na produção da informação, mas referem-se a conteúdo falso ou enganoso cuidadosamente fabricado para influenciar nosso comportamento. Imprescindível entender ainda que critérios e técnicas comunicacionais orientam a produção da desinformação, para que ela possa se mostrar a nós como verdadeira – embora seja o oposto. 

 

Uma das técnicas mais praticadas pela indústria da desinformação na produção de fake news é a redação do texto de forma que ela pareça uma notícia. A mensagem chega até nossas redes sociais como informação inusitada (notícia) e o post tem visual muito semelhante ao desenho gráfico de portais de notícias profissionais (reconhecidos como veículos informativos). Esta indústria ainda usa material da imprensa para produzir desinformação: vídeos com entrevistas e reportagens recebem falsas legendas e as falas dos entrevistados são editadas e manipuladas. E mais: fotografias, áudios e vídeos antigos (com notícias de outras épocas) entram na criação de fake news, disseminando informação fora do contexto do acontecimento dos fatos. 

 

A mensagem enganosa é produzida em várias versões: na linguagem de texto, áudio e vídeo, para que possa circular por todo o ambiente comunicacional – e ocupar simultaneamente as plataformas digitais. Esta dinâmica de circulação, que prevê a repetição da mesma falsa mensagem, produz e fortalece o ambiente de desinformação. A repetição é adotada para criar em nós a percepção de que estamos em contato com algo já conhecido e, consequentemente, “verdadeiro”. Boa parte das fake news inclui ainda textos curtos e apelativos, com expressões como “urgente”, “repasse agora” e “confirmado, compartilhe”, entre outros, para incentivar a audiência a encaminhar adiante o conteúdo. 

 

Os produtores de fake news investem também nos vídeos narrados em primeira pessoa, ou seja, a história é contada a partir de (suposta) experiência pessoal. Este formato é muito utilizado porque os testemunhos são valorizados em nossa sociedade e entendidos como legítimos. Neste caso, as fake news se apresentam, geralmente, em tom de denúncia e atacam a credibilidade da imprensa. 

 

Para completar o ambiente da desinformação, há os sites disfarçados de produtores de informação jornalística. Representam os interesses políticos e/ou econômicos de determinados grupos e são remunerados pela produção e divulgação de notícias falsas e enganosas. Boa parte deles ainda recebe dinheiro de publicidade inserida no próprio site. 

 

Se soubermos identificar fake news entre as informações verdadeiras, conseguiremos bloquear o compartilhamento das notícias enganosas e, assim, reduzir a circulação de desinformação em nossas redes, limitando a influência dela nas nossas vidas. Não se engane: mentira tem perna curta.

Adriana Teixeira

É jornalista, pesquisadora, doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Atuou como repórter e editora, por 20 anos, nos jornais Diário Popular, Diário de S.Paulo e Brasil Econômico. Também realiza palestras sobre seu principal objeto de pesquisa: desinformação científica.

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Jornalista, pesquisadora, doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Atuou como repórter e editora, por 20 anos, nos jornais Diário Popular, Diário de S.Paulo e Brasil Econômico. Pesquisadora e palestrante do tema desinformação científica.

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