Fake news e o caos informacional

Por Adriana Teixeira

 

Não tem sido fácil identificar mensagens falsas no amplo e intenso volume de informações que circulam pelas plataformas digitais, aplicativos de interação social e outros meios de comunicação no ambiente online. Pesquisadores consideram que hoje, diante do fenômeno digital, vivemos mergulhados no caos informacional, ou seja, somos frequentemente afetados por mensagens falsas, enganosas e, claro, verdadeiras (felizmente). A questão está na dificuldade de, prontamente, categorizar estas mensagens, ou seja, descartar e denunciar as enganosas e refletir sobre as verdadeiras. Temos a sensação de viver numa espécie de gangorra informacional: ora, nos aproximamos da realidade (com a compreensão de informações verdadeiras) e, ora, nos distanciamos do fato (com a assimilação de mensagens inventadas). A oscilação entre o falso e o verdadeiro, no processo de percepção da realidade, interfere diretamente nas nossas escolhas e tomadas de decisão. Com a chegada da internet, tivemos a oportunidade de ampliar o acesso ao conhecimento e à cultura – nos tornando mais aptos para o trabalho, para o lazer e à vida social – ao mesmo tempo em que ficamos fragilmente expostos à perversa manipulação das fake news.

Moradores de Paraisópolis, entrevistados por nossa equipe de pesquisadores (somos estudantes da PUC-SP), contam que as mensagens falsas sobre o coronavírus, durante os dois primeiros meses da pandemia da covid-19, representaram ameaça à mobilização da comunidade para a prevenção da então desconhecida doença. No ambiente digital, mensagens enganosas nos formatos de textos, vídeos e áudios desacreditavam a gravidade da doença, prometiam curas milagrosas e ainda atacavam a dedicação da Ciência voltada à decifração do vírus Sars-Cov-2 (causador da covid-19). Neste contexto de insegurança sanitária, as fake news cumpriam a perversa missão de espalhar massivamente mentiras tranquilizadoras, dispensando os cuidados para a prevenção do contágio. Elas inventavam, repetidamente, respostas simples para dar explicação a uma questão de saúde altamente complexa – e que exigia ampla investigação pelos cientistas. Na vida real, Paraisópolis convocava moradores a assumirem as funções de presidentes de rua, contratava ambulâncias para o pronto atendimento da população e transformava escolas em ambulatórios dedicados ao isolamento dos doentes.

Uma presidente de rua conta que as fake news sobre a covid-19 só começaram a perder a força de convencimento quando a realidade insistiu diante dos olhos de todos, ou seja, quando os moradores começaram a presenciar o adoecimento e a morte de parentes e vizinhos. Não há fake news que resistam aos fatos.

No Brasil, há pesquisas que mostram a influência da desinformação sobre a covid-19 no aumento do número de adoecimentos e mortes pelo coronavírus em regiões do país mais vulneráveis ao discurso que nega as orientações da Ciência. Antes da pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia chamado a atenção das autoridades sanitárias para a interferência das fake news nos cuidados voltados para a preservação da vida, colocando sob risco os índices de vacinação infantil em todo o mundo. As mensagens falsas, portanto, têm a capacidade de agravar situações já precarizadas pelo baixo investimento em sistemas de saúde, campanhas de divulgação e políticas públicas.

Estudiosos da desinformação já prepararam roteiros para identificar fake news nas redes e nos aplicativos de mensagens. Observaram padrões na construção das mensagens (que copiam formatos jornalísticos e com tendência apelativa), na adulteração dos vídeos (com a inserção de falsas legendas e edição das falas) e na estrutura de comunicação dos áudios (com testemunhos em primeira pessoa totalmente enganosos). Mas nem sempre as fake news descrevem exatamente o oposto da realidade, da evidência ou dos fatos. Elas têm adquirido a capacidade de combinar verdade, falsidade e mentira. Para desacreditar a existência de um fato, as fake news podem articular várias informações falsas e verdadeiras – em vez de disseminar uma mentira muito óbvia. E para a identificação desta desinformação não há receita pronta. É preciso estar informado sobre os acontecimentos locais, nacionais e internacionais e compreendê-los a partir dos efeitos em nossas vidas e no coletivo. Desta forma, não será tão difícil desconfiar da desinformação quando ela chegar. Importante também ter conhecimento sobre o funcionamento das  mídias digitais, que lucram muito com likes, compartilhamentos e geração de conteúdo (falso e verdadeiro), e dos aplicativos de mensagens, que geralmente nos conduzem para vídeos impostores e nos aprisionam numa sequência quase infinita de desinformação. Se conseguirmos fazer uma lista das fontes de informação que trabalham com notícias devidamente checadas, teremos, então, maior capacidade de denunciar e descartar as fake news. Além, é claro, de alertar as outras pessoas. O conhecimento é o melhor e mais eficaz imunizante contra a desinformação.

Adriana Teixeira

É jornalista, pesquisadora, doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Atuou como repórter e editora, por 20 anos, nos jornais Diário Popular, Diário de S.Paulo e Brasil Econômico. Também realiza palestras sobre seu principal objeto de pesquisa: desinformação científica.

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Jornalista, pesquisadora, doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Atuou como repórter e editora, por 20 anos, nos jornais Diário Popular, Diário de S.Paulo e Brasil Econômico. Pesquisadora e palestrante do tema desinformação científica.

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